
Nascimento de novas células no cérebro de adultos é importante para manter a inteligência, mostra experimento. Trabalho de equipe chinesa nos EUA não tem aplicação imediata, mas ajuda estudo de doenças degenerativas nervosas que não têm cura
Rafael Garcia
O cérebro precisa criar novos neurónios ao longo da vida dos adultos para manter sua capacidade de criar memórias e sustentar a inteligência.
A descoberta, anunciada ontem por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, de Baltimore (EUA), saiu de experimentos feitos com tecido cerebral de camundongos em laboratório.
O trabalho foi elaborado pelo neurocientista Hongjun Song, que liderou uma equipe com quatro outros colegas chineses emigrados, e consistiu numa tarefa delicada.
O trabalho foi elaborado pelo neurocientista Hongjun Song, que liderou uma equipe com quatro outros colegas chineses emigrados, e consistiu numa tarefa delicada.
O grupo extraiu tecido do hipocampo (estrutura cerebral ligada à consolidação de memórias) dos roedores e preparou culturas de células em placas de vidro para investigar como elas se comportavam.
Os cientistas usaram vírus modificados para "marcar" com uma proteína fluorescente as células recém-nascidas na estrutura cultivada, facilitando o reconhecimento delas em comparação com células antigas maduras.
Com as células "tingidas" de verde, foi possível separá-las e ver como se comportavam.
"Descobrimos que essas células novas são mais plásticas - fáceis de serem mudadas.
Os cientistas usaram vírus modificados para "marcar" com uma proteína fluorescente as células recém-nascidas na estrutura cultivada, facilitando o reconhecimento delas em comparação com células antigas maduras.
Com as células "tingidas" de verde, foi possível separá-las e ver como se comportavam.
"Descobrimos que essas células novas são mais plásticas - fáceis de serem mudadas.
A plasticidade é um dos mecanismos implicados no aprendizado e na memória", disse Song à Folha.
"Há um período crítico entre um mês e um mês e meio de idade dos neurónios no qual eles exibiam mais potenciação de longa duração - reforço da conexão dos neurónios que sustentam memórias.
"Há um período crítico entre um mês e um mês e meio de idade dos neurónios no qual eles exibiam mais potenciação de longa duração - reforço da conexão dos neurónios que sustentam memórias.
"A descoberta põe fim a uma questão de muitos anos na neurociência, já que não se sabia se o nascimento de novos neurónios no hipocampo estava mesmo envolvido de maneira funcional na memória.
O fenómeno poderia servir apenas para fazer "remendos" no cérebro, à medida que neurónios vão morrendo com o envelhecimento.
Mas Song mostrou que não é isso que está em jogo.
A neurogênese (nascimento de neurónios) ocorre intensamente no cérebro de fetos e bebés, e desde 1998 se sabe que ela também existe no hipocampo adulto.
A neurogênese (nascimento de neurónios) ocorre intensamente no cérebro de fetos e bebés, e desde 1998 se sabe que ela também existe no hipocampo adulto.
Só agora, porém, surgem as evidências físicas para mostrar que ela é necessária até o fim da vida para a memória e para a inteligência.
Segundo Song, seu artigo publicado hoje na revista "Neuron", pode ter impacto no estudo de formas de demência como o mal de Alzheimer.
"Nosso estudo sugere não só que a célula jovem é mais plástica, mas também que ela pode dar mais plasticidade às células antigas", afirma.
"Nosso estudo sugere não só que a célula jovem é mais plástica, mas também que ela pode dar mais plasticidade às células antigas", afirma.
"Ao introduzir células novas -geradas por células-tronco ou outras fontes - pode ser possível tornar a rede de neurónios antigos mais plástica, com mais habilidade para se ajustar a novas condições."
Farmacologia x genética
Segundo o neurobiólogo brasileiro Alysson Muotri, ex-colega de Song no Instituto Salk, na Califórnia, o resultado é mesmo entusiasmante.
"Esses neurónios novos são tão plásticos quanto os embrionários -pelo menos por um tempo- e podem dar uma rejuvenescida nas redes neurais onde são provavelmente responsáveis por conectar as memórias no tempo", disse.
Segundo o neurobiólogo brasileiro Alysson Muotri, ex-colega de Song no Instituto Salk, na Califórnia, o resultado é mesmo entusiasmante.
"Esses neurónios novos são tão plásticos quanto os embrionários -pelo menos por um tempo- e podem dar uma rejuvenescida nas redes neurais onde são provavelmente responsáveis por conectar as memórias no tempo", disse.
"Mas tenho algumas criticas ao trabalho. A maior delas é que o trabalho é totalmente farmacológico."
Segundo Muotri, como Song usou drogas em vez de técnicas genéticas para investigar o comportamento dos neurónios, o tecido pode ter sido afectado de maneira generalizada na hora da observação, o que compromete a precisão do resultado. Mas uma confirmação mais segura da pesquisa deve vir em breve.
"Queremos fazer isso com uma abordagem genética, mudando a activação de moléculas específicas que modulam esse processo de neurogênese", diz Song. "Será o próximo passo."
Segundo Muotri, como Song usou drogas em vez de técnicas genéticas para investigar o comportamento dos neurónios, o tecido pode ter sido afectado de maneira generalizada na hora da observação, o que compromete a precisão do resultado. Mas uma confirmação mais segura da pesquisa deve vir em breve.
"Queremos fazer isso com uma abordagem genética, mudando a activação de moléculas específicas que modulam esse processo de neurogênese", diz Song. "Será o próximo passo."
Fenómeno era conhecido, mas não entendido
O nascimento de novos neurônios no cérebro adulto é conhecido desde a década de 1960, mas só na última década ganhou importância no estudo da memória e de funções cognitivas do cérebro.
"No início, as pessoas não deram muita atenção, porque a evidência não era muito convincente", diz o Hongjun Song. "Em 1998, o Fred Gage [neurobiólogo do Instituto Salk] publicou um estudo para mostrar que a neurogênese do hipocampo também ocorre em humanos, e que ela tem função importante.
O nascimento de novos neurônios no cérebro adulto é conhecido desde a década de 1960, mas só na última década ganhou importância no estudo da memória e de funções cognitivas do cérebro.
"No início, as pessoas não deram muita atenção, porque a evidência não era muito convincente", diz o Hongjun Song. "Em 1998, o Fred Gage [neurobiólogo do Instituto Salk] publicou um estudo para mostrar que a neurogênese do hipocampo também ocorre em humanos, e que ela tem função importante.
"A partir de então, surgiram evidências de que defeitos na "fábrica" de neurônios do cérebro podem afetar a memória, mas só agora ficou claro como ela actua no aprendizado.
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